UM CASO CHOCANTE

Manuela Estanqueiro era uma professora, como tantos outros, com uma carreira dedicada à docência que exercia de alma e coração. Porém houve um dia, já no final de carreira, que começou a sentir-se cansada. Não daquele cansaço que é uma espécie de aborrecimento em executar todas as tarefas relativas ao ensino que outrora fizera com gosto e dedicação. Não era esse cansaço, era outro muito mais fundo que a deixava prostrada incapaz de reagir perante obrigações que sempre cumprira com zelo e dedicação.
Manuela Estanqueiro pediu a reforma antecipada tal como fizeram antigas companheiras em tempos em que esta prática era permitida. Porém, e como estava invulgarmente cansada, decidiu, em Março de 2006, fazer um exame médico. Foi-lhe então diagnosticada uma leucemia em fase avançada. No Verão desse mesmo ano a Caixa Geral de Aposentações convoca-a para um junta médica, que teve lugar nesse mesmo Verão, com vista a avaliar se o seu estado de saúde justificava a antecipação da reforma. Foi então considerada, pela referida junta médica, apta para o exercício da função.
Muito embora esta docente tivesse atestado médico passado pela junta médica da Direcção Regional de Educação Centro (DREC), que atestava a sua real situação de saúde, o mesmo foi considerado letra morta na medida em que a avaliação da junta médica da Caixa Geral de Aposentações era soberana sobre todos os outros pareceres emitidos. Assim Manuela Estanqueiro viu-se na necessidade de ter que voltar a dar aulas, por um período de 31 dias ininterruptamente, até poder voltar a meter atestado médico se quisesse que não lhe cortassem o vencimento. Mas não era só do vencimento que Manuela vivia (ou morria) era também daquela questão de honra que não se compadece que duvidem de nós quando sentimos que estamos nos mais legítimos e devidos direitos.
Manuela foi para a escola, levada por familiares, com cobertores que lhe tapassem o frio do corpo e da alma qual deles mais dolorosamente insuportável. Na Escola Básica 2.3 de Cacia, em Aveiro, Manuela Esparteiro encontrou o calor humano que as nossas Instituições insistem em nos arrancar. A escola disponibilizou um professor para a acompanhar nas aulas de educação tecnológica que Manuela leccionava. E, assim, Manuela foi dando as aulas com diarreias, febres, viroses atrás de viroses mas amada e apoiada pelos colegas que, na sala de professores, lhe davam sopa à boca.
Também o sindicato pressionava com relatórios médicos que apontavam que Manuela teria, no máximo, um ano de vida e isto se a quimioterapia resultasse. Em vão.
Já Manuela Estanqueiro estava internada nos Hospitais da Universidade de Coimbra quando uma nova junta médica, da CGA, foi marcada. Todavia Manuela já não pôde ir mas soube, a uma escassa semana antes de morrer, que a reforma lhe tinha sido finalmente concedida dispensando-a de mais formalidades.
Apesar de um caso que choca e dói de sobremaneira o que consegue ser ainda mais chocante é não ter havido, por parte das nossas instituições e mesmo (por que não?) da parte do governo e do primeiro-ministro, um pedido de desculpas uma exigência de esclarecimentos e de apuramento de responsabilidades. A situação de fim de vida de Manuela não teve o mesmo peso de, por exemplo, o gracejo do professor Charrua à licenciatura do primeiro-ministro José Sócrates. Sobre o gracejo do professor Charrua abriram-se inquéritos e encheram-se páginas de jornais e tempos de telejornais. Sobre uma professora que morre humilhada e flagelada, pelo nosso sistema, muito pouco se diz e que se saiba não há inquéritos a decorrer.
Lídia Soares

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