TRABALHO, INDIVÍDUO E DIREITOS HUMANOS


A seguir à socialização primária é o trabalho que mais influencia a formação de um indivíduo e a sua integração na sociedade. É através dum trabalho que o ser humano adquire uma identidade e, é através desse mesmo trabalho, que se realiza e constrói a sua auto-estima. Quem quer que seja que no trabalho não se sinta realizado, ou que não consiga subsistir através de uma remuneração atribuída às suas capacidades e ao seu esforço, torna-se uma pessoa frustrada em deficit permanente de integração e em permanente atrito com meio envolvente e consigo próprio.

Recordo-me de, há muito tempo, ter realizado alguns trabalhos de investigação em empresas da margem sul que, infelizmente, fecharam as portas ou reduziram drasticamente as suas actividades. Deparei então com situações verdadeiramente espantosas de trabalhadores que, uma vez despedidos, continuavam a sair todos os dias de casa à mesma hora e a dirigirem-se à empresa onde trabalharam. Ali permaneciam e permaneciam durante todo o dia e regressavam a casa à hora do costume como se de um dia normal de trabalho se tratasse. Como se fosse impossível quebrar este ritual sem se sentirem proscritos face aos vizinhos e a toda uma comunidade perante os quais se assumiam, durante toda a vida, como pessoas de trabalho.

Conheço casamentos que foram desfeitos com situações de desemprego. Está em causa a subsistência a todos os níveis e também a dos afectos. Porque quem não está bem consigo próprio e se sente esvaziado e desautorizado por dentro muito dificilmente poderá ser generoso ou construir algo com quem quer que seja.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos especifica, de forma clara, o direito ao trabalho e a um nível de vida adequado, como um dos direitos humanos inalienáveis. Porém os governos fazem tábua rasa de todas as recomendações escudando-se numa economia de mercado que, em prol da globalização e das novas tecnologias, tem criado o vazio e a morte de muitos dos direitos adquiridos por um passado de lutas. As condições de dignidade vão sendo cada vez mais ignoradas na sede do lucro pelo lucro e da acumulação de riquezas por uma minoria. Tal como os impactos ambientais negativos, também a paisagem humana se tem degradado e com ela o aumento da insegurança e do medo.
Barricados nos seus condomínios de luxo, muitos dos agiotas do mercado pensam estar a salvo do tsunami humano que se aproxima. Puro engano. Quem perdeu tudo não tem medo.
Lídia Soares

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