ANALFABETISMO POLITICO

Publiquei um texto de Bertolt Brecht no Facebook, na pagina Comunitária do projecto “O Chão e a Vida”, o qual falava do analfabetismo politico, que suscitou comentários interessantes e levou os leitores a participar. Foi importante para mim ouvir as opiniões das pessoas e isso levou-me a reflectir sobre o “estado da nação” em época de crise e em que o estado social e o apoio dado às classes mais desfavorecidas são apontados pelos nossos governantes, como a mãe de todos os males de um país sem rumo, em que se protegem os fortes e esmagam-se os fracos.
Segundo o pensamento de Brecht e aplicando-o ao nosso povo penso que muitos de nós somos realmente analfabetos políticos, desprezando a única arma que temos para nos defender e que se chama: “Voto”. Pudesse a passividade e a catalepsia do povo apoiante do “deixa andar” e não votante, ser contabilizada nas urnas e a “Abstenção” seria poder, com maioria absoluta.
As coisas podem mudar se todos quisermos e exercermos o nosso direito de cidadania. Precisamos estar atentos ao que se passa à nossa volta e denunciar.
Não pertenço a qualquer partido político e a única ideologia que professo é a de uma sociedade mais justa em que as discrepâncias sociais sejam menos acentuadas. Defendo o direito de todos os seres humanos terem um tecto, alimento que lhes permita não passar fome, mobilidade e assistência médica.
Durante a minha vida, tendo sido passada a maior parte dela em África, vi crianças subnutridas autênticos esqueletos andantes cobertos por uma fina camada de pele, elemento identificador de que eram seres vivos como eu. Choca-me a fome e ver seres humanos agonizantes que acabam por morrer perante a passividade dos senhores do mundo que controlam a riqueza do planeta mãe.
Não querendo ser profeta da desgraça olho à minha volta e o que vejo num país que é o meu e que se diz desenvolvido?
Que há fome em Portugal já foi reconhecido pelo nosso actual PR, possivelmente o próximo se o povo continuar adormecido como tem estado até agora. Lembro-me das suas palavras: “Os portugueses deviam ter vergonha de passar fome”. Não sei o que realmente ele queria dizer a não ser que a fome é culpa dos pobres e nunca de quem os governa.
Numa visão futurista do nosso país, se não se inverter o actual rumo despesista da máquina do estado, vejo as nossas crianças, adultos e velhos com a mesma imagem das crianças que vi em África.
A mudança para que isto não venha a acontecer está em cada um de nós. Ajudar a levantar os mais fracos pode ser o iniciar do nosso exercício de cidadania. Podemos ser apenas uma gota de água, mas não nos podemos esquecer que o copo de água que nos sacia a sede está cheio de gotas de água. A mudança está em cada um de nós querer ser uma gota de água no copo dos males do mundo.
Raul Almeida

RENDIMENTO SOCIAL DE INSERÇÃO, O ETERNO DRAMA

O Rendimento Social de Inserção (RSI) parece congregar, da parte de alguns agentes da nossa praça com altas responsabilidades como leaders de opinião, todo um conjunto de responsabilidades pelo descalabro a que o País chegou em vários domínios.

Parece que a crise económica, segundo algumas cabeças sábias, se resolveria, pura e simplesmente, cortando este Rendimento a pessoas que, segundo elas, não querem trabalhar ou são um peso morto na sociedade.
Sem pretender subestimar a necessidade duma vigilância efectiva sobre os beneficiários desta medida no sentido de se acompanhar a sua capacidade de resposta social e de perceber a necessidade que existe e persiste em lhe conferir o RSI, não posso deixar de me indignar quando se fazem cortes cegos sem se perceber quanta vida se encurta, se destrói ou se torna indigna. Medicamentos e tratamentos que deixam de ser feitos, alimentação adequada que não é cumprida e, em cúmulo, o recurso a expedientes como o tráfico o roubo e a prostituição para alguém manter um simulacro de vida.
O que é curioso é que, quem questiona este magro subsídio, nunca se viu pôr em causa as avultadas verbas despendidas pela Presidência da República nos seus roteiros para a inclusão que, para além de pretenderem fazer passar uma imagem humanista de quem as promove, outros resultados práticos não são conhecidos nem procurados.
Também é com humildade, e submissão, que os portugueses vão pagando a nossa RTP 1 e 2, quer nas facturas da luz quer nos pacotes como MEO e TVcabo que permitem uma tributação dupla e ilegítima. Isto para não falar no déficit da RTP também pago com o dinheiro dos contribuintes, que segundo se estima, fica em 40 €/ano a cada português. E tudo isto para difundir a comunicação do poder que permite manter a discriminação, a aceitação das injustas desigualdades e, naturalmente, ter alguns bem-falantes a baterem nas prestações sociais dos mais necessitados.
Poucos põem em causa as despesas de representação que continuam a ser feitas, quer a nível do governo quer das empresas públicas nem os estudos inúteis pagos, a peso de ouro, por este País fora na relação de promiscuidade Estado e seus acólitos.
Não vou citar mais exemplos embora muitos me ocorram. A justiça é um processo que irá ocorrer porque uma nova tomada de consciência há-de ser feita ainda que a duras penas. E caridade das elites há-de dar lugar à dignidade, ao respeito e à igualdade de oportunidades.
Porém, e em especial neste Ano Europeu de Combate à Pobreza e Exclusão Social, não podemos permitir que situações como as atrás descritas ocorram sob a égide da nossa anuência.
Lídia Soares

POBREZA - ESTADO VERSUS SOCIEDADE CIVIL

Parece que, subitamente, se descobriram dois milhões de pobres em Portugal. Uma constatação que “envergonha “ Cavaco Silva, tão interessado nos roteiros para a inclusão, e faz surgir programas de demagogia pura que, ao pretenderem criar a ilusão de que se está a fazer alguma coisa, permitem que se deixe tudo na mesma.
Ouvindo os Prós e Contras, de Fátima Campos Ferreira, quase somos levados a concluir que os pobres são pobres por culpa própria. Se estão desempregados, em grande parte deve-se ao facto de não quererem os trabalhos que os imigrantes aceitam e, se estão pobres pelo endividamento excessivo, é porque as suas opções irrealistas de consumo para isso os empurraram.
Até parece que as culpas não têm rosto, um rosto por sinal cruel e desumano, consubstanciado num mercado e numa globalização que se auto regulam negando a equidade e o direito à vida àqueles que alimentam a sua essência. Para mim é indiferente que se diga que o número de pobres em Portugal não tem vindo a aumentar e até acredito que não. Há já uma década que a percentagem dos 20% está em cima da mesa, e até já esteve acima dos 20%. O que está em causa é que há um empobrecimento generalizado de uma população que, ou já era pobre, ou não tendo ainda atingido o limiar da pobreza, para lá caminha. E isto enquanto se verifica um enriquecimento atordoante dos que já eram ricos através do agravamento das condições de vida dos mais pobres.
Quando se insinua que o português até pode recusar o trabalho que o imigrante aceita, oculta-se a situação de escravatura e indignidade que se impõe ao imigrante. O imigrante está por tudo e aceita tudo: viver num buraco com rendas especulativas e trabalhar de sol a sol por menos de metade do ordenado mínimo. Vou-vos dar um exemplo que colhi numa experiência que estou a fazer e que consiste em viajar em autocarros e comboios regionais por zonas interiores e bairros pobres. Num destes passeios observei duas africanas que conversavam sobre as dificuldades de ser imigrante em Portugal. Uma delas confessava à outra que lhe tinha sido cortada a água por falta de pagamento e que tinha uma bebé a quem não conseguia dar de comer. Os 200 € que ganhava, por 8 horas de trabalho diário numa empresa de limpeza, não davam para fazer face às necessidades básicas. Meti-me na conversa e sugeri-lhe que denunciasse a empresa porque em Portugal ainda havia um ordenado mínimo que tinha que ser respeitado. Disse-me que não lhe desgraçasse a vida porque se fosse reclamar nem os 200 € teria e as outras empresas do ramo também não lhe dariam trabalho.
Outra das mensagens que se pretende passar é de que muitos portugueses, com bons vencimentos, estão também pobres devido ao endividamento. E, pronto, lavam-se as mãos e limpam-se as consciências. Até parece que esta sociedade de consumo nada tem a ver com um marketing que cria a necessidade de bens que chegam ao consumidor com valores inflacionados por um crédito aparentemente benigno. Porque também ninguém parece ser responsável por este marketing insidioso e desonesto que cria pobreza à custa das ilusões. Mas não nos fiquemos por aí: há procedimentos que uma sociedade evoluída devia sancionar ao invés de incutir. Veja-se o apelo às chamadas de valor acrescentado que são feitas, à descarada, em canais públicos de televisão. Veja-se o apelo ao crédito fácil. Mas mesmo que um cidadão resista a tanto apelo outros factores de destabilização acontecem. O desemprego, a precariedade de emprego, o agravamento das taxas e das condições do Serviço Nacional de Saúde, o aumento das taxas de juro para quem compra casa, têm trazido constrangimentos que, inicialmente, o orçamento familiar não previa. Ou seja, constrói-se uma vida a partir de uma base que se pensa poder contar e, subitamente, vê-se essa base ir esboroando até partir. Tal leva as famílias, em situação de desespero, a procurarem paliativos que lhes permita prolongar a agonia à espera de uma solução de cura milagrosa que quase nunca acontece.
E não é correcto que se pretenda atirar para os ombros da sociedade civil a solução de tais casos. É como se quiséssemos passar a mensagem de que afinal o monstro que nos roubou os bens e a alma até é bonzinho e tem uma face humana. E com uma caridade que encarna a consciência de uma elite que, ao praticá-la, fica apaziguada e na paz do Senhor, que se pretende escamotear o sofrimento e a dor que se vai espalhando.
Se, como foi dito no programa PRÓS e PRÓS, cerca de 60% dos portugueses não estão ganhos para um combate à pobreza concentrado e regulado pelo Estado, é porque as mensagens do poder lhes fizeram a cabeça pensar assim. Porque enquanto os portugueses assim pensarem as empresas top continuaram a ter lucros de 150% e continuamos a alimentar as empresas de marketing dos nossos amigos que são autênticas minas de ouro em países empobrecidos.
Sem prejuízo de uma cidadania activa que concentre as suas atenções no desenvolvimento da solidariedade e de apoio ao Estado no combate à desigualdade de oportunidades e à pobreza, não nos podemos deixar ofuscar por actuações colaterais que encobrem a espinha dorsal de uma responsabilidade que terá que caber, em primeira mão, a quem governa, sob pena de hipotecarmos os nossos valores como seres humanos e sermos espoliados dos nossos princípios.

Lídia Soares


TRABALHO, INDIVÍDUO E DIREITOS HUMANOS


A seguir à socialização primária é o trabalho que mais influencia a formação de um indivíduo e a sua integração na sociedade. É através dum trabalho que o ser humano adquire uma identidade e, é através desse mesmo trabalho, que se realiza e constrói a sua auto-estima. Quem quer que seja que no trabalho não se sinta realizado, ou que não consiga subsistir através de uma remuneração atribuída às suas capacidades e ao seu esforço, torna-se uma pessoa frustrada em deficit permanente de integração e em permanente atrito com meio envolvente e consigo próprio.

Recordo-me de, há muito tempo, ter realizado alguns trabalhos de investigação em empresas da margem sul que, infelizmente, fecharam as portas ou reduziram drasticamente as suas actividades. Deparei então com situações verdadeiramente espantosas de trabalhadores que, uma vez despedidos, continuavam a sair todos os dias de casa à mesma hora e a dirigirem-se à empresa onde trabalharam. Ali permaneciam e permaneciam durante todo o dia e regressavam a casa à hora do costume como se de um dia normal de trabalho se tratasse. Como se fosse impossível quebrar este ritual sem se sentirem proscritos face aos vizinhos e a toda uma comunidade perante os quais se assumiam, durante toda a vida, como pessoas de trabalho.

Conheço casamentos que foram desfeitos com situações de desemprego. Está em causa a subsistência a todos os níveis e também a dos afectos. Porque quem não está bem consigo próprio e se sente esvaziado e desautorizado por dentro muito dificilmente poderá ser generoso ou construir algo com quem quer que seja.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos especifica, de forma clara, o direito ao trabalho e a um nível de vida adequado, como um dos direitos humanos inalienáveis. Porém os governos fazem tábua rasa de todas as recomendações escudando-se numa economia de mercado que, em prol da globalização e das novas tecnologias, tem criado o vazio e a morte de muitos dos direitos adquiridos por um passado de lutas. As condições de dignidade vão sendo cada vez mais ignoradas na sede do lucro pelo lucro e da acumulação de riquezas por uma minoria. Tal como os impactos ambientais negativos, também a paisagem humana se tem degradado e com ela o aumento da insegurança e do medo.
Barricados nos seus condomínios de luxo, muitos dos agiotas do mercado pensam estar a salvo do tsunami humano que se aproxima. Puro engano. Quem perdeu tudo não tem medo.
Lídia Soares

UM CASO CHOCANTE

Manuela Estanqueiro era uma professora, como tantos outros, com uma carreira dedicada à docência que exercia de alma e coração. Porém houve um dia, já no final de carreira, que começou a sentir-se cansada. Não daquele cansaço que é uma espécie de aborrecimento em executar todas as tarefas relativas ao ensino que outrora fizera com gosto e dedicação. Não era esse cansaço, era outro muito mais fundo que a deixava prostrada incapaz de reagir perante obrigações que sempre cumprira com zelo e dedicação.
Manuela Estanqueiro pediu a reforma antecipada tal como fizeram antigas companheiras em tempos em que esta prática era permitida. Porém, e como estava invulgarmente cansada, decidiu, em Março de 2006, fazer um exame médico. Foi-lhe então diagnosticada uma leucemia em fase avançada. No Verão desse mesmo ano a Caixa Geral de Aposentações convoca-a para um junta médica, que teve lugar nesse mesmo Verão, com vista a avaliar se o seu estado de saúde justificava a antecipação da reforma. Foi então considerada, pela referida junta médica, apta para o exercício da função.
Muito embora esta docente tivesse atestado médico passado pela junta médica da Direcção Regional de Educação Centro (DREC), que atestava a sua real situação de saúde, o mesmo foi considerado letra morta na medida em que a avaliação da junta médica da Caixa Geral de Aposentações era soberana sobre todos os outros pareceres emitidos. Assim Manuela Estanqueiro viu-se na necessidade de ter que voltar a dar aulas, por um período de 31 dias ininterruptamente, até poder voltar a meter atestado médico se quisesse que não lhe cortassem o vencimento. Mas não era só do vencimento que Manuela vivia (ou morria) era também daquela questão de honra que não se compadece que duvidem de nós quando sentimos que estamos nos mais legítimos e devidos direitos.
Manuela foi para a escola, levada por familiares, com cobertores que lhe tapassem o frio do corpo e da alma qual deles mais dolorosamente insuportável. Na Escola Básica 2.3 de Cacia, em Aveiro, Manuela Esparteiro encontrou o calor humano que as nossas Instituições insistem em nos arrancar. A escola disponibilizou um professor para a acompanhar nas aulas de educação tecnológica que Manuela leccionava. E, assim, Manuela foi dando as aulas com diarreias, febres, viroses atrás de viroses mas amada e apoiada pelos colegas que, na sala de professores, lhe davam sopa à boca.
Também o sindicato pressionava com relatórios médicos que apontavam que Manuela teria, no máximo, um ano de vida e isto se a quimioterapia resultasse. Em vão.
Já Manuela Estanqueiro estava internada nos Hospitais da Universidade de Coimbra quando uma nova junta médica, da CGA, foi marcada. Todavia Manuela já não pôde ir mas soube, a uma escassa semana antes de morrer, que a reforma lhe tinha sido finalmente concedida dispensando-a de mais formalidades.
Apesar de um caso que choca e dói de sobremaneira o que consegue ser ainda mais chocante é não ter havido, por parte das nossas instituições e mesmo (por que não?) da parte do governo e do primeiro-ministro, um pedido de desculpas uma exigência de esclarecimentos e de apuramento de responsabilidades. A situação de fim de vida de Manuela não teve o mesmo peso de, por exemplo, o gracejo do professor Charrua à licenciatura do primeiro-ministro José Sócrates. Sobre o gracejo do professor Charrua abriram-se inquéritos e encheram-se páginas de jornais e tempos de telejornais. Sobre uma professora que morre humilhada e flagelada, pelo nosso sistema, muito pouco se diz e que se saiba não há inquéritos a decorrer.
Lídia Soares

DESEMPREGO E VIDA - DESEMPREGO OFICIAL VERSUS DESEMPREGO REAL

Falar de desemprego é falar de projectos de vida perdidos, de frustrações acumuladas, de casamentos destruídos, ou não realizados, de filhos ambicionados e não tidos.
Falar de desemprego é falar na perda da identidade, da dignidade e na procura constante de uma realização que tarda.
O desemprego é um drama individual e colectivo que está na génese de alguns tipos de depressão, de perdas de referências e de sentido. O desemprego mata e destrói os alicerces mais bem cimentados e põe ódios onde havia afectos e põe violência onde havia paz.
A globalização económica tem trazido a muitas famílias incerteza, amargura e, até a desistência de valores humanos. Porque um capitalismo selvagem assente no lucro pelo lucro tem queimado os campos mais verdes da esperança e do sucesso.
Os números oficiais não espelham esta realidade nem eles próprios corresponde à situação real em que se vive.
Já em Janeiro de 2004, o economista Eugénio Rosa, chamava a atenção para a enorme discrepância entre o desemprego real e o oficial e, desde então, o fenómeno não tem parado de se difundir.
As estatísticas do INE apresentam, no final de cada trimestre, um estudo da evolução das taxas de desemprego estudo esse que é amplamente divulgado pela comunicação social ocultando aos portugueses a forma como esses dados são obtidos. Porém as taxas de desemprego oficial estão longe de traduzirem a realidade deste fenómeno.
De acordo com as Notas Metodológicas, que vêm em anexo às Estatísticas de Emprego publicadas pelo INE e que incluem a definição dos conceitos utilizados, são considerados empregados, e logo não incluídos nas estatísticas do desemprego, todos aqueles que tenham mais de 15 anos de idade e que, na semana anterior ao inquérito do INE, se encontrem numa (basta uma) das seguintes condições:
1- Ter efectuado trabalho de pelo menos uma hora, mediante o pagamento de uma remuneração, em dinheiro ou em espécie.
2- Ter um emprego, embora não estando ao serviço, bastando ter uma ligação formal com o emprego.
3- Estar na situação de pré-reforma, mas encontrando-se a trabalhar no período de referência.
Em suma: para não se ser incluído no grupo dos desempregados basta que se tenha trabalhado apenas uma hora num simples biscate na semana anterior à data em que o inquérito foi realizado pelo INE, e ter recebido ainda que a título de gorjeta, um pagamento em dinheiro ou em espécie.
Também são considerados empregados aqueles trabalhadores que estejam formalmente ligados a empresas que já não funcionem.
Ainda segundo as Notas Metodológicas do INE, só são considerados desempregados os indivíduos com idade superior a 15 anos que, na semana anterior ao inquérito do INE, cumpram todas, mas todas sem excepção, as condições que a seguir se enumeram.
1- Não ter trabalho remunerado nem qualquer outro (se tiver um trabalho, ainda que não remunerado, já não consta nas estatísticas oficiais como desempregado).
2- Estar disponível para trabalhar num trabalho remunerado ou não (portanto, se não estiver disponível para realizar um trabalho não remunerado já não é considerado oficialmente como desempregado).
3- Ter feito diligências, ao longo das últimas 4 semanas para encontrar trabalho remunerado ou não (se não fez estas diligências não é considerado oficialmente como desempregado).
O mais paradoxal, nestes critérios é que, para se ser considerado empregado basta preencher uma das condições indicadas, enquanto para se considerar oficialmente desempregado tem que reunir todas em simultâneo.
Segundo Eugénio Rosa, não existem em Portugal dados que permitam calcular com rigor a taxa de desemprego real. Porém, até há bem pouco tempo, o INE publicava uma outra taxa denominada Taxa de desemprego em sentido amplo”, mas que deixou de publicar certamente porque revelava uma situação ainda mais grave do que aquela que é mostrada pela taxa de desemprego oficial.
Sem pretender fazer uma análise exaustiva acrescenta-se apenas, e ainda, que apenas uma percentagem dos desempregados recebe subsídio de desemprego, percentagem essa que tem variado entre os 25,7% e os 31,4% dos desempregados oficiais mas que, em relação aos empregados reais, se estima que esteja situada entre os 16,6% e os 20,9%.

Lídia Soares

LEVANTA-TE CONTRA A POBREZA

Mas não de levantes apenas hoje porque, no mundo, há 1.800 milhões de pessoas que aguardam que te ergas para que possam ter o mínimo indispensável para viverem. A cada dia que passa 50.000 morrem de pobreza extrema e o fosso entre ricos e pobres não pára de crescer. Não, não podes ficar sentado e indiferente quando, no teu próprio país, há dois milhões de pessoas que vivem com menos de 360 euros/mês, a desigualdade entre ricos e pobres é a maior da UE. Tens também uma taxa de pobreza superior à média da UE (16%) o que coloca Portugal na lista negra dos países desenvolvidos. É nas famílias numerosas e na população idosa que encontramos o maior número dos mais pobres em Portugal.
Mas há novos pobres, pessoas com emprego mas cujo salário não chega para as necessidades. E isto quando temos uma classe média a tender para o desaparecimento e as estatísticas do INE revelam ainda que, sem as pensões de reforma e as transferências sociais do Estado, mais de quatro milhões de portugueses estariam em risco de pobreza.
Por seu lado a presidente da Federação dos Bancos Alimentares contra a Fome, Isabel Jonet, garante também que há hoje mais pessoas a pedir ajuda alimentar do que em anos anteriores.
Estamos num mundo profundamente injusto em que a persistência da pobreza e da desigualdade não tem justificação. Somos a primeira geração que pode erradicar a pobreza. Existem meios, tecnologias, desenvolvimento suficientes para tal. Porém o crescimento económico espectacular gerado nos últimos anos não contribuiu para garantir os direitos humanos nem para melhorar as condições de vida em todas as regiões do mundo, nem para todas as pessoas seja qual for a sua condição, género, raça, ou cultura. Pelo contrário, aumentou a desigualdade e a injustiça. E tudo isto porque há falta de vontade política por parte dos Estados.
Em 2000, durante a assembleia geral da ONU, 189 chefes de Estado e de Governo assinaram a Declaração do Milénio que levou à formulação de 8 objectivos de desenvolvimento específicos, a alcançar até 2015, objectivos, estes que podem ser resumidos da seguinte forma:
1- Reduzir para metade a pobreza extrema e a fome. 2- Alcançar o ensino primário universal. 3- Promover a igualdade entre os sexos. 4- Reduzir em dois terços a mortalidade de crianças. 5- Reduzir em três quartos a taxa de mortalidade materna. 6- Combater o VIH/SIDA, a malária e outras doenças graves. 7- Garantir a sustentabilidade ambiental. 8- Criar uma parceria mundial para o desenvolvimento. Passaram-se cinco anos e os líderes políticos continuam a não cumprir as suas promessas. Por isso, sob o lema “Pobreza Zero”, surge uma campanha que apela à sociedade para que se mobilize, actue e pressione os líderes políticos, e exija, como primeiro passo para a erradicação da pobreza, o cumprimento dos ODM (Objectivos de Desenvolvimento do Milénio). Em Setembro de 2005, a Assembleia Geral da ONU apresentou um relatório sobre o grau de cumprimento e incumprimento relativo aos ODM, durante a cimeira do Milénio e onde está patente a vontade dos países em envolver-se na luta contra a pobreza global.
Segundo dados da "Global Call Against Poverty" (designação internacional da campanha "Pobreza Zero"), a manter-se este estado de coisas, cerca de 45 milhões de crianças morrerão; 247 milhões de pessoas na África subsariana terão de sobreviver com menos de um dólar por dia, e mais de cem milhões de meninas e meninos continuarão sem ir à escola. Na resolução final da cimeira extraordinária das Nações Unidas, que decorreu em Nova Iorque, de 14 a 16 de Setembro, estes números ficaram sem respostas concretas e metas quantificáveis. Mais uma vez ali se reafirmaram compromissos anteriores, aprovaram listas de boas intenções e se inscreveu na história da ONU uma nova oportunidade perdida ou um recorrente fracasso.Quando o mundo se confronta com ameaças globais que vão do terrorismo à degradação ambiental, da proliferação nuclear à insegurança alimentar ou a novas pandemias, a pobreza extrema representa o fenómeno mais ilustrativo da incapacidade dos diversos poderes ou classes dirigentes para colocarem como prioridade o primado do direito de todos ao desenvolvimento.
Chegou, pois, a hora dos discursos se transformarem em soluções práticas. Não podemos ficar indiferentes ou ignorar que uma pobreza irreversível ganha cada vez mais terreno, nos envergonha e diminui como seres humanos.
Ainda estás sentado? Levanta-te!
Lídia Soares